segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Uma palavra sobre Moksha

Queridos amigos,

Há alguns meses atrás o professor de Yoga, Luciano Giorgio escreveu um texto sobre Moksha. Neste texto ele coloca a visão do Vedanta.(veja o texto neste mesmo blogg em textos).
Nosso amigo, José Vicente, estudante e praticante de Yoga, expôs o seu ponto de vista.

Vale a pena ler as duas visões.

Até breve com um novo texto do Luciano!

Simoni!

Amigos,

Como conversamos há cerca de 3 meses (eu Simoni e Luciano) e também hoje à tarde a este respeito , achei legal colocar de forma explícita o meu ponto de vista para vocês.

Em primeiro lugar devo dizer que minha opinião deriva-se inicialmente da ponto de vista do Georg Feuerstein, que no Livro “A Tradição do Yoga” (uma das minhas primeiras leituras sérias sobre Yoga, há mais de 10 anos atrás) deixa claro que o Nirodha de Patanjali é uma coisa e o Moksha de Shankara, outra! Posso dizer que a época fiquei muito decepcionado e me apressei em ler outros autores sobre Patanjali, que por meio de uma abordagem mais moderna (normalmente vedântica, he he he) pudessem “traduzir” os sutras de forma mais “praticável”, he he he!

Penso que muito da confusão acerca deste assunto venha justamente da ênfase constante das diferentes tradições hinduístas em abarcar todas as demais, sem ir diretamente contra as mesmas. Tenta-se de certa forma estabelecer que a diferença é semântica ou baseada na interpretação de quem escreveu e, normalmente, enfatiza-se que todos estão falando sempre a mesma coisa! Feuerstein, sendo um dos maiores estudiosos vivos tanto do Sânscrito quanto do Yoga, mas tendo conhecimento de outras abordagens yogis além daquelas ligadas à Religião Hindu, é explícito em dizer que Patanjali atingiu e pregava um Estado diferente daquele pregado (e explicado) por Shankara! Ou seja, Kaivalya e Moksha seriam coisas totalmente distintas.

Além da opinião de Feuerstein (e de outros estudiosos no assunto, como Ken Wilber, por exemplo), baseio-me nos meus mais de 7 anos de estudos e experiência com a meditação budista! No Budismo, existem dois tipos totalmente distintos de prática de meditação: Aquela chamada “Shamata”, ou meditação para acalmar a mente, e a meditação “Vipasyana” ou do Insight! Toda a abordagem budista para os diferentes estados de concentração em um único ponto passíveis de serem atingidos por meio da meditação Shamata (os Jhanas em pali, cuja tradução para o Sânscrito é “Samadhi”) equivalem quase que exatamente aos estágios de Samadhi apresentados por diversas das escolas hindus, inclusive na descrição minuciosa de cada um destes estados! Todos estes estados caracterizam-se por uma absorção cada vez maior pelo objeto de meditação (via concentração na respiração, num mantra ou num yantra), sendo que a consciência do meditador fica cada vez mais parecida a um lago sem ondas, ou seja, Nirodha, e em maior ou menor grau nada sobra daquela identidade construída pelos condicionamentos culturais e conceitos, ou seja, nome e forma!! O que sobra então? Nossa verdadeira identidade, Purusha, Brahman, Atman, Budhahood, Reino de Deus, Alá ou como quer que queiramos denominá-la! Entretanto, o que o Buda descobriu há mais de 2000 anos e Shankara há mais de 1200 anos é que este estado só pode ser mantido com o indivíduo meditando e sem se relacionar com seus pares. Ou seja, a medida que o meditador tem de falar, sair na rua, enfim, se relacionar com o mundo, sua mente começa a se agitar, e camadas de atividade começam a se superpor àquela calma divina, cobrindo novamente a Verdade interior. Assim, para aquele meditador que atinge os mais elevados graus de Samadi, a única forma de se manter em contato com a divindade interior é se isolar e permanecer isolado!

No Budismo e no Vedanta, existe um conjunto de práticas fundamentadas em “Self-Inquiring” ou em auto-investigação, na qual o meditador se questiona sobre questões ligadas à verdade Última. No Budismo (neste ponto eu não conheço o Vedanta à fundo), estas técnicas chamam-se Vipasyana e têm como objetivo fazer o meditador romper totalmente com os padrões de identificação com o seu nome, forma, corpo e seus pensamentos. Somente quando a pessoa se des-identifica totalmente de sua mente é que ela passa a ter uma espécie de “acesso permanente” ao Atman, Buddha Nature ou Deus! Essa é a verdadeira Iluminação (Nirvana), pois ela independe do isolamento, da caverna, e permite que nós nos tornemos iluminados cuidando de nossas famílias, trabalhando, etc..  No Budismo (novamente neste ponto eu não conheço o Vedanta à fundo ) para que o meditador possa praticar e ser bem sucedido em Vipasyana ele precisa atingir apenas o chamado jhana de acesso, ou seja, uma espécie de pré-Samadhi! Assim, da mesma forma que é possível um super meditador que tenha alcançado os mais altos graus de samadhi ter poderes paranormais sem ter se libertado (Moksha), é possível um cidadão comum, pai de família, se libertar totalmente do sofrimento sem jamais ter acessado nenhum dos Samadhis elevados!

Nos yogas sutras de Patanjali, fica claro que o único jeito que ele conhecia de permanecer em contato com sua Natureza Divina era por meio de uma retração cada vez maior dos sentidos, seguindo a gradual preparação dos oito passos, para uma vez atingido o nirvikalpa samadhi permancer nele o maior tempo possível, fora do mundo! Creio que a tentativa de associar “drashṭuh svarupe avashthanam” com a liberdade em meio ao mundo seja uma interpretação vedântica dos Sutras, uma tentativa de fazer O Raja Yoga parecer menos ingênuo! Entretanto, na minha opinião, era exatamente isso que o Raja Yoga era: INGÊNUO e menos desenvolvido do ponto de vista HUMANO (quando comparado com os sistemas que vieram a seguir no hinduísmo, é lógico!!) Não é a toa que o sistema do Advaita Vedanta tem filosofia e prática muito mais “rebuscadas”! Afinal, são várias centenas de anos de EVOLUÇÃO da mente humana dentro de um mesmo sistema entre Patanjali e Shankara! Para os que se interessarem por relatos recentes de iluminação, enfatizando MOKSHA ou NIRVANA, e não SAMADHI, com a descrição de suas características sem o “filtro” de uma única doutrina, recomendo “When Fear Falls Away” de Jan Frazier, “O Poder do Agora” de Eckart Tolle e os dois livros do Franklin Merrell-Wolf (este último um praticante do Advaita Vedanta)!


Namastê


José Vicente


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