segunda-feira, 27 de junho de 2011

Asana Sadhana Um Laboratório de Vida

Asana Sadhana, um laboratório de vida
Por Camila Reitz

A prática das posturas de Yoga, chamada asana sadhana, pode ter objetivos diferentes, dependendo da história de vida e do momento presente de cada um. Conforme a atitude e a postura interiores diante da prática, você poderá extrair mais ou menos benefícios. Neste texto, sugiro uma analogia entre a prática de asana e um experimento científico feito em laboratório. Dessa forma, exponho um ponto de vista em relação à prática de posturas físicas e como estas podem nos preparar e nos levar para mais perto do estado de Yoga.
Asana é uma das técnicas utilizadas no Yoga para preparar o indivíduo para as práticas avançadas, como pranayama, concentração, meditação, etc. Asanas são posturas físicas que devem ser executadas não somente com o corpo, mas com a presença da consciência que observa tudo o que acontece nos planos físico, energético, mental e emocional. Sem esta consciência, o praticante estará apenas andando em círculos. Por momentos, poderá até achar que chegou a algum lugar na senda do Yoga. Porém, praticar asana sem a atitude correta irá resultar, no melhor dos casos, num corpo saudável e numa boa postura. Infelizmente, esse é o objetivo final dentro do Yoga para muitas pessoas, principalmente iniciantes.
Esse objetivo - corpo saudável e boa postura - difere enormemente da meta que os sábios da antigüidade vislumbraram e experimentaram. Para a tradição, a meta deste sistema é um estado de total clareza mental, no qual há a plena compreensão do universo e de suas leis. Através da prática de €sanas, podemos obter muito mais do que apenas beleza e saúde corporal; podemos obter um estado de tranqüilidade mental que conduz à felicidade. Neste texto, iremos indicar uma direção possível para que isso aconteça. Esta é apenas uma sugestão que pode lhe ajudar a extrair mais benefícios de sua prática física.
Os asana têm como objetivos, entre outros, equilibrar e acalmar a mente e o corpo. Uma das maneiras pelas quais isto acontece é através da liberação das ”couraças”, padrões de energia represados no corpo ao longo das várias experiências de vida, notadamente traumas e condicionamentos. Esta energia permanece reprimida no corpo, determinando nossa postura, linguagem corporal e a maneira como andamos e agimos.
Trabalhando o corpo, tornando-o fortalecido e livre de tensões, é possível mantermos uma postura de meditação e internalizarmos a mente. Ao pararmos os movimentos da mente, é possível chegar à meta do Yoga, o samadhi. Neste estado de compreensão total, podemos temos respostas para os grandes questionamentos como: “Quem sou eu? Qual é o meu propósito de vida? Para onde vou quando morrer?”.
A prática de asana, pura e simples, não nos garante chegar neste estado, embora possamos dar pequenos passos nesta direção. Para tanto, devemos aprender a nos observarmos, e o momento em que estamos praticando asana é ideal para exercermos tal observação. É preciso igualmente que estejamos atentos para não confundirmos os meios com o objetivo supremo do Yoga.
Asana não é apenas movimentar o corpo, alongá-lo, fortalecê-lo e colocá-lo em posturas exóticas.  Esta técnica se diferencia de outras formas de exercitar-se por requerer um alto nível de consciência corporal, bem como dos processos mentais e da respiração. A respiração acalma a mente e é a âncora que nos mantém conectados ao momento presente.
A prática não é o momento adequado para remoermos o passado, nem tampouco para termos novas idéias de projetos futuros, apesar de este ser um momento que proporciona muita criatividade. Trata-se de um momento de se estar consigo mesmo, percebendo-se e, quem sabe, ter-se alguns insights sobre como se reage diante das dificuldades e das coisas fáceis da vida. Para isso, é preciso estar atento e observar os pensamentos, pois estes produzem reações no corpo físico e emocional.
Sabemos que todo pensamento produz um sentimento, e todo sentimento, uma reação no corpo. Essas reações são geralmente muito sutis, quase imperceptíveis, mas, se conseguirmos percebê-las, com certeza poderemos nos libertar de muitos de nossos condicionamentos, relaxar e, assim, curar conflitos interiores e dores crônicas. É entrando em contato com nossa própria natureza, sentindo um estado de paz interior que chegaremos mais perto do estado de Yoga.
Uma das maneiras para estarmos atentos e extrairmos mais benefícios da prática de asana é praticarmos como se estivéssemos fazendo um “experimento científico”. Neste experimento, você é, ao mesmo tempo, o rato de laboratório e o cientista que conduz a pesquisa.
No papel de rato, você se submete às várias posturas, ao movimento e à respiração e reage frente a isso de forma particular, tendo sentimentos, aversões, emoções e sensações que irão lhe dizer muito sobre você mesmo.
No papel de cientista, você observa o que acontece, sem nada julgar. O bom cientista apenas coleta dados, sem modificá-los. Estes dados contribuirão para o resultado da pesquisa. Trata-se aqui de uma coleta de suas reações, diálogos internos e julgamentos em relação às dificuldades, prazer, medo, alegria, preguiça, ansiedade, frustração, exaltação, entre tantos outros sentimentos que surgem ao colocar o corpo nas peculiares posturas yogues.
Na pesquisa de laboratório, o cientista é o que o Yoga chama de consciência testemunha, sakshi em sânscrito, “aquele que observa sem julgar”. Como um bom cientista, você não deve julgar as reações que surgirem durante a prática, mantendo-se na postura do observador. O observador só observa, faz suas anotações para poder se lembrar e relacionar o material coletado. Relacionando o material coletado, obtém o resultado da pesquisa, ou seja, nossos padrões de comportamento.
Você não precisa fazer sua prática com um papel do lado para anotar, mas esteja atento quando algo importante acontecer. Uma boa idéia é ter um diário de prática, para registrar as experiências mais significativas. Nossa natureza é esquecermos; ao anotar é possível perceber como os padrões se repetem. Procure não viajar para muito longe em pensamento: esteja atento, pois muitas sensações e sentimentos importantes para o auto-conhecimento afloram neste momento, assim como durante a meditação também podem “cair algumas fichas”. Caso você não esteja suficientemente atento, não irá se beneficiar tanto da prática. Nossos condicionamentos nos condenam a viver o presente como se fosse passado. É por isso que queremos nos livrar deles, para poder utilizar todo o nosso potencial e viver o presente, experimentando cada situação como única.
Para conseguir mudar algo em nós mesmos, o passo mais importante é reconhecermos o que precisa ser mudado, fazermos um diagnóstico, estarmos consciente da pedra no sapato que perturba o caminhar. Através da prática consciente de asanas, é possível fazermos este diagnóstico. Para alguns de nós, o maior passo a ser dado consiste em tomar consciência de nossos condicionamentos. Se levarmos esta prática para além da sala, talvez possamos mudar algo em nossas vidas.
Camila Reitz é professora de Yoga e ministras cursos de Formação para professores de Yoga. www.devi.com.br/formacao

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